30 de junho de 2008

Uma cobra no sapato

Enquanto calça as meias de cordanito, ti Maria da Serradinha vai pensando no que tem que comprar para a sua filharada. Para os moços já sabe que tem mesmo que comprar o cotim oficial para um par de calças para cada um. As camisas ainda tem atamanco com os habituais remendos e com um clarinho novo, ficam boas por mais algum tempo. A Maria tem preciso de alguns novelos de linha para fazer a renda do seu enxoval e as meias domingueiras. A Tóina precisa dum lenço para a cabeça. Se o ti Zei do Otêro tivesse por lá uma lãzinha cardada até podia ser que comprasse um corte para as saias das moças. O dinheiro da venda do milho tem que ser muito bem orientado para chegar para tanta precisão.
Da rua chega a lenga-lenga habitual do seu Zei Maria a bruchar o macho. Já sabe que tem que se apressar, o seu homem não gosta de esperar, o tempo é sempre pouco para os muitos afazeres que tem a seu cargo.
Olha os sapatos, já gastos que estão debaixo da cadeira e pensa que precisava de passar pelo Zei Nesga para mandar fazer uns sapatos, mas para não serem tão pesados não os queria cardados.
Foi ao calçar-se que tudo aconteceu, só não morreu de susto porque não calhou. Ao enfiar o pé no sapato encontrou algo que não dava espaço para o seu pé, intrigada espreita o que poderia estar lá dentro. Os seus olhos cansados pousam no seu grande inimigo. Uma longa cobra que sentindo-se incomodada se encrespou e soprou o seu aborrecimento contra aquela desnorteada e incrédula mulher. Aos seus gritos todos acodem. Com a ajuda do ferrolho e muita sabedoria conseguem dominar a assanhada e perigosa intrusa.

Meias de cordanito – opacas e margeadas, feitas de algodão muito fino.
Cotim oficial – tecido fino e acinzentado, próprio para calças usadas muito bem vincadas.
Atamanco – arranjo
Lã cardada – lã muito fina e levemente felpuda
Bruchar – atrelar o carro no macho
Ferrolho – termo para espingarda

uma história por Zilia Jesus
11-01-08

24 de junho de 2008

Aves de Portugal



Ficha Técnica:
Bragança, D. Carlos de, (1985), "Catálogo Ilustrado das Aves de Portugal", Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda

23 de junho de 2008

A Ovelha Choné



Simplesmente adorável.
Para miúdos e graúdos como eu ":O)

Uma longa amizade

Zé das Caliças irritado, afasta com a mão nodosa de artrite, a mosca que teimosamente insiste em pesquisar a sua pele rugosa e cansada.
-Então não querem lá ver esta safada! Levas uma cachaporrada!
Manel do Paço olha na direcção onde julga estar a mosca sem vida, nada vê, mas também não é muito importante esforçar as vistas por causa de uma mosca morta. Prefere orientá-las para o recinto do jardim onde a azafama é enorme na preparação das festas da aldeia. O silêncio instalou-se entre os dois amigos, cada um envolvido nos seus próprios pensamentos e recordações.
Nisto, vindo do nada, surge o Malhadinhas, de rabo hirto distribuindo marradinhas às pernas dos dois amigos ainda pensativos.
Os dois velhotes e o bichano envolvem-se em vínculos fluídos de afectos, como colectâneas vivas de prazeres e alegrias. O gato deixa-se invadir por uma lassidão profunda distribuindo “ronrons” ritmados. De olhos semicerrados, é envolvido por uma modorra de prazer e paz enquanto é afagado carinhosamente pelos seus dois amigos.
Os dois homens olham-se e sorriem. Foi o Manel do Paço que interrompeu o silêncio.
_ Ó Caliças Já viste este safado? Cada vez está mais meloso, acho que ele anda de Janeiro!
_ Talvez, talvez. Ó Manel tu ainda te lembras quando foi Janeiro?!
_Olha, olha, então achas que eu sou esquecido como tu?!
Os dois amigos riem-se das suas próprias brejeirices tardias e vão nos seus passinhos cansados até ao jardim, onde os preparativos para a festa estão já nos finais. Encontram pessoas conhecidas e forasteiros veraneantes, em procura de muita animação e divertimento constante. Em tempos também eles se divertiam até ao amanhecer de um novo dia. Agora, o cansaço dos anos obriga a ter contenção e lá vão eles, em passos curtos, até ás suas respectivas casas tranquilos e serenos como sempre.

uma história por Zilia Jesus
21-08-07

21 de junho de 2008

Guia Prático da Auto-Suficiência



Ficha Técnica:
Seymour, John, (1988), "Guia Prático da Auto-Suficiência", S. Paulo: Martins Fontes Editora

18 de junho de 2008

desfiar recordações

Florinda Carriça, a custo dá mais um passinho miúdo e cauteloso. Estende as vistas ao longe, mesmo cansadas e enevoadas pelas cataratas a pedir operação urgente, vê o que não querer. Tanto que eu trabalhei nestes campos e agora está tudo a mato e abandonado!....Tudo isto era um primor.

O que será feito dos outros? Muitos já morreram, outros foram para casa dos filhos, fechados entre quatro paredes, longe de onde nasceram e viveram. Alguns ficaram na aldeia, como eu. Gosto de estar aqui na minha terra e, sentir o cheiro das estevas, ouvir a cegarrega das cigarras e ver o voar das borboletas. Na primavera dou sempre as boas vindas às minhas amigas andorinhas, que têm ninho no beiral da minha casinha. Muitos dizem-me que sou louca por gostar destas coisas simples e pequenas. Mas gosto mesmo a valer e ainda bem que o meu neto Dudu também gosta, assim como a minha nora, que diz: aqui respira-se ar puro.

Só me dói é ver e sentir o abandono dos campos, outrora cheios de vida, esperança e canseira. Trabalho duro e muita miséria, foi a minha vida. Florindinha, Florindinha…não sejas mal agradecida, olha que sempre foste saudável, tiveste muita sorte com o homem que escolheste e o filho!....É um tesouro. E o meu Joaquim?! Que saudades. Deixaste-me há já tanto tempo, mas estás sempre no meu coração. As recordações, as recordações!!! Meu grande maroto!!! Lembro-me muito bem, ainda namoriscaste a maluca da Bertelina! O que será feito dela? Ah, já me lembro, foi para França procurar vida melhor.

Bem! Olha chaparro, obrigado pela sombra que me deste. Já descansei, já vi os campos, devagar e com muito cuidado, vou para casa. Deve estar na hora das raparigas do centro de dia presentearem esta velhota com um rico almocinho.

uma história por Zilia Jesus
18-08-07

17 de junho de 2008

As histórias de Zilia

Alguém que conheço escreve umas histórias deliciosas sobre gente da terra. Esse alguém chama-se Zilia e para meu encanto e, espero, de todos aqueles que passam pelo Trumbuctu, permitiu que aqui fossem publicadas. As imagens mentais que me surgem, ao ler cada história, transportam-me para o Alentejo profundo, cujos encantos estão tão bem descritos nestes contos.

Publicarei todas as semanas uma história, começando por hoje.

12 de junho de 2008

Leituras



Com ilustrações lindas, este livro - Segredos e virtudes das plantas medicinais - tem sido um auxiliar precioso na identificação de espécies, no conhecimento das suas propriedades e uma inspiração para novos cultivos.

Ficha Técnica:
Selecções do Reader's Digest (1993), "Segredos e virtudes das plantas medicinais", Lisboa: Selecções do Reader's Digest

11 de junho de 2008

Manjerona


Manjerona (Origanum majorana), pequeno arbusto perene, de folhas aveludadas, que atinge cerca de 25cm de altura. As flores, brancas ou rosadas, agrupam-se em espigas. Possui algumas propriedades, entre as quais realço as anti-sépticas e hipotensivas. Espalhei pela horta pois diz-se que intensifica o perfume e sabor das culturas adjacentes. Este blog tem uma explicação mais exaustiva quanto a cultivo, propriedades, etc.

Por qui, quando a plantámos, não sabíamos que era uma planta perene. No Outono será transplantada para o local definitivo, sempre perto da horta.

9 de junho de 2008

À espera que o calor passe





Só ao fim da tarde é possível trabalhar ou então com várias paragens, o calor aperta demasiado. Há 15 dias que a erva nasce selvagem e sem controlo. Quando se fizeram as sementeiras não se palharam logo as linhas, só mais tarde e de lado. As plantas já tinham começado a nascer e estavam ainda muito pequenas para se circundar com palha e jornal. O resultado é este: onde está palha não nasceu erva e na zona central as plantas quase não se vêem.

Algumas linhas mais tarde o resultado da monda. Resta a palha e as plantas, ainda muito jovens. As zonas com erva são agora as de passagem e quando for necessário passa-se com a máquina do fio, por isso deixei caminhos largos entre os regos. também porque assim aumento a distância de segurança para evitar maior propagação de pragas. Na monda temos sido surpreendidas com dezenas de joaninhas, para onde se olha lá está uma. Só com isto fico feliz. A J. tem sido uma preciosa ajuda e incansável.

Os tomateiros estão bonitos e alguns a dar flor. Este ano fiz tratamentos de prevenção com calda bordalesa e enxofre (obrigada Ana pela lembrança, oídio nunca houve por aqui, no monte, mas os vizinhos todos deram). Sempre que promete chuva dar calda bordalesa e se o tempo se mantiver assim, alguns dias mais tarde enxofre. Como medida preventiva permanente chá de cavalinha e tomilho. Nascem tomateiros por todo o lado, sementes que voaram de certo. Deixo-os estar por aí...

Por fim vou experimentar um adubo foliar biológico, Siapton da Isagro e que sobre o qual poderão consultar mais informação aqui.

8 de junho de 2008

Santolina em flor


Está agora em flor a Santolina, ou Abrótano-fêmea, sobre a qual já registei uma descrição mais ou menos longa aqui. A natureza não se rege pelos livros e onde li que as flores desabrochavam em meados do Verão, afinal foi mais cedo. Se der flores suficientes vou apanhar para "potpourri".

5 de junho de 2008

Plano da rega


Estou para fazer o registo gráfico da rega há muito tempo. Posso dizer que deu bastante trabalho, embora tivesse os rascunhos em ordem, mas julgo que poderá ajudar alguém, como eu precisei de ajuda no ano passado e ainda preciso. Espero que se entenda.

No nosso caso, começámos por medir o caudal da bomba na boca de saída da mestra (tubo principal, de onde deverão sair todos os outros para regar culturas e árvores). Aqui a boca de saída é onde se encontra a válvula (7). Medimos o caudal da seguinte maneira: enchemos um "jerrycan" contando o tempo que demorou para encher. Depois medimos a quantidade de água obtida nesse tempo e com uma regra de 3 simples vimos quanto dava por hora. Neste caso a bomba tem uma saída de água de 3.306 L/hora.

O passo seguinte deveria ser contar o nº de furos por linha e ver quantos litros/h são necessários para cada uma (no caso destas fitas gotejadoras são 2L por furo e cada furo dista entre si 20cm. Se tivermos uma fita de 2.0m serão 10 furos logo, 2oL/h nessa linha). Depois, se as linhas tiverem todas o mesmo comprimento basta multiplicar pelo nº de linhas de rega e teremos o volume total de água necessário para regar. Isto tudo porquê? Porque as fitas só aguentam 1.5Kg de pressão na bomba (lê-se no manómetro da bomba). Além disso, se a bomba gastar toda a água/hora não tem necessidade de estar a ligar e a desligar o que preserva o seu tempo de vida.

Por aqui não se fizeram estas contas, fui estendendo a rega para vários locais que precisavam até conseguir na bomba 1Kg de pressão. Assim, tenho uma pressão boa para as fitas (zona 1) e suficiente para os outros pontos de rega (zonas 2,3,4,5 e 6). No inverno fecharei a zona 1 e 2 e vou ficar com mais pressão na bomba. Nessa altura terei de criar novos pontos de rega para diminuir a pressão na bomba, mas isso na altura se verá. Poderia resolver de outra forma, criando um novo sector na bomba (esta ainda permite mais um) mas como não sei fazer isso contorno a questão desta forma. No ano passado tinha de deixar a válvula (7) parcialmente aberta para diminuir a pressão, o que foi um desperdício de água vergonhoso, mas não sabia outra forma.

Este ano comecei por montar a mestra e felizmente já tinha algum trabalho feito do ano anterior. À saída da bomba coloquei um filtro para evitar entupimentos nos goteja dores. Os furos no tubo de 1'' (mestra), para as torneiras (tanto das fitas como dos tubos goteja dores), foram feitos com broca de aço de 10mm. Com um maçarico amolece-se a zona do furo para depois encaixar a torneira ou, num dia de calor aproveita-se o tubo estar mole e encaixa-se muito bem. Pode colocar-se um pouco de vaselina na torneira para ser mais fácil. Todos os tubos de 20mm estão ligados ao de 1'' por torneiras (não era necessário) pois posso eventualmente ter de fechar algumas, não sendo necessárias.

Como mostra o esquema, tenho na zona 1 e 2 fitas e tubos gotejadores, respectivamente. As zonas 3, 4, 5 e 6 são para rega de árvores e arbustos e utilizei gotejadores com suporte no caso das árvores e sem suporte nos arbustos e outras plantas, em tubo de 20mm.

Antes de colocar a rega a funcionar e de fechar os tubos deve deixar-se correr água suficiente para limpar o interior dos tubos. Todos os gotejadores também devem ser limpos. Julgo que toda a demais explicação está no esquema mas se me lembrar de mais alguma coisa volto cá.